quinta-feira, 9 de novembro de 2017

Política - Entrevista - Carol Proner - “Não é de bom tom que um magistrado brilhe mais que a causa julgada”

Carol Proner
"O Poder Judiciário sempre esteve identificado com o poder das elites e das composições de poder"
Foto: Reprodução Facebook
Para a professora de Direitos Humanos da Universidade Pablo de Olavide, na Espanha, a ideia de juiz-herói não convém à democracia.
O tema da judicialização da política ganha um novo capítulo toda vez que temas de esferas legislativas ou do Executivo passam por interferências do Judiciário.
O caso que ganhou notoriedade recentemente foi a suspensão da portaria do trabalho escravo, de autoria do Executivo, pela ministra Rosa Weber do Supremo Tribunal Federal.
Outros casos que remetem à judicialização são as possíveis candidaturas de ex-magistrados para cargos públicos para as eleições de 2018, carregando repertórios de um poder ao outro. Os ex-juízes Márlon Reis e Odilon de Oliveira seguem esse caminho, o primeiro no Maranhão e, o segundo, no Mato Grosso do Sul.
Ainda que tais casos sejam recentes, a judicialização não é um processo novo.
A jurista Carol Proner, professora de Direitos Humanos na Universidade Federal do Rio de Janeiro e na Universidade Pablo de Olavide, na Espanha, explica que a interferência do Poder Judiciário em outras esferas está intrínseca ao modelo de separação de poderes e à Constituição de 88 adotados pelo Brasil.
Em entrevista a CartaCapital, Proner fala sobre a politização da Justiça e as diferenças com do ativismo judicial, a elitização do Poder Judiciário e as implicações de candidatura de ex-magistrados para 2018.
CartaCapital: O que é a judicialização da política? O que a Constituição de 88 tem a ver com o termo?
Carol Proner: É uma expressão polissêmica, mas um traço comum nas distintas definições indica o fenômeno da transferência decisória e, como tal, da interferência do poder Judiciário em questões cuja decisão caberia, em princípio, aos poderes Executivo e Legislativo. São instâncias de representação política.

Não se trata, portanto, de algo novo, mas sim de um processo que acompanha o desenvolvimento do Estado Democrático Constitucional, com raízes na modernidade, nas cartas de direito do século XVIII, e que se consolida paulatinamente após a Segunda Guerra Mundial com os pactos de direitos humanos influenciando certos consensos na recepção de direitos fundamentais.
No Brasil, a Constituição de 1988 recepciona um elenco de direitos e estabelece normas e princípios que terão hierarquia sobre normas ordinárias, limitando o poder político e as leis infraconstitucionais.
O constitucionalismo, desde então, passa a ser disputado por interesses contrapostos, e, pari passu [no mesmo passo], o Poder Judiciário que decide sobre questões políticas em permanente disputa.
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CC: É o mesmo que politização da Justiça?
CP: Esta é outra expressão que pode conter muitos significados ou sentidos e entendo que o assunto provoque polêmica atualmente, em especial quando prevalece uma noção abstrata ou formalista do direito que espera um judiciário neutro e não contaminado pela política.

Ora, com o avanço do Estado Democrático de Direito, o Poder Judiciário, assim como os demais poderes, passa a ser cada vez mais demandado como espaço de disputa por direitos e políticas de acesso a bens individuais e coletivos na sociedade e, como tal, impregnado de lutas políticas que identificam neste espaço de administração da justiça um locus para amparar suas pretensões.
Das revisões judiciais de ações legislativas e executivas, passando pela criação do Ministério Público, das Defensorias Públicas, a atuação do poder judiciário só cresce e, consequentemente, também a politização da justiça, o que não é bom nem mau em princípio, sendo antes um fato, parte do jogo de correlação de forças com os interesses da sociedade.
É importante sempre registrar que, no Brasil, o poder judiciário sempre esteve identificado com o poder das elites e das composições de poder, de modo que o espaço de disputa pela melhor hermenêutica sempre foi muito difícil e ingrato, quase concessões que nunca tiveram o condão de alterar estruturalmente a correlação de forças de uma das sociedades mais injustas e discriminatórias do mundo.
CC: Quando a judicialização se torna um risco ao Estado Democrático de Direito?
CP: Talvez o que possa representar um risco acontece quando o fenômeno da judicialização não encontra respaldo na soberania popular, sentido último de ser do constitucionalismo democrático.

O ministro do STF [Luis Eduardo] Barroso certa vez distinguiu entre judicialização da política e ativismo judicial, entendendo-os como primos de uma mesma família: enquanto que a judicialização seria um fato, decorrente do modelo constitucional adotado no Brasil, permitindo ao juiz deduzir, a partir da norma constitucional, uma pretensão e decidir sobre a matéria, o ativismo decorreria de uma escolha, uma forma proativa de interpretar a Constituição, expandindo o seu alcance e sentido.
Ainda de acordo com o Ministro, esta hipótese de ativismo normalmente se instalaria em situações de retração do Poder Legislativo, de um certo descolamento entre classe política e sociedade civil, gerando uma demanda mais ampla e intensa do Poder Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais.
Penso que a migração de funções para o judiciário pela crise dos demais poderes é uma situação extrema, que deveria demandar máximo cuidado por parte dos magistrados que, de certa forma, recepcionam uma crise que colapsa os poderes do Estado.
Há riscos evidentes nesse acúmulo de poderes em órgãos compostos por pessoas que não foram eleitas, que não estão comprometidas com pautas políticas de representação, é um risco grave para o Brasil e estamos vivendo isso atualmente. Isso, somado ao já mencionado elitismo judicial.
CC: A senhora acredita que a candidatura de juristas e ex-magistrados perfaz a judicialização da política?
CP: Aqui me parece que temos duas questões: não se pode pretender tolher o direito de qualquer magistrado, guardados os limites funcionais, ao exercício pleno de cidadania, de opinamento, participação como cidadão, da mesma forma que um magistrado tem o direito de oferecer seu nome como candidato a um cargo público e ocupar espaço em outro poder do Estado.

Isso não significa que o Poder Judiciário possa servir de palanque para pretensões eleitorais ou personalistas de qualquer natureza. Não convém, não é de bom tom que um magistrado brilhe mais que a causa a ser julgada, afastando-se da serenidade e imparcialidade que o investe numa função de tanta responsabilidade pública.
Não convêm prêmios midiáticos e a ideia de juiz-herói, algo que compromete a imagem do órgão e gera insegurança jurídica.
Mas, voltando à pergunta, não vi ninguém do judiciário, até o momento, anunciar com clareza se será candidato, creio que faz parte da expectativa de setores da imprensa interessados em criar um salvador para todos os males do país, um justiceiro contra a corrupção, por exemplo.
CC: O ex-jurista Márlon Reis comentou sobre do desgaste da imagem de política tradicional como um dos fatores para a imagem de juristas ganhar notoriedade em 2018. A senhora concorda?
CP: Pode ser uma das causas, mas não é só isso. Acredito que a constrangedora deslegitimação dos poderes legislativo e executivo no Brasil fez migrar ao Poder Judiciário grande parte das expectativas sobre saídas diante da crise e que, nesse contexto, alguns magistrados se expõem mais que outros, especialmente na condução da Lava-Jato diante da candidatura de Lula em 2018.

Mas o que parece mais grave, tanto no processo de impeachment quanto agora – com a revelação do imenso conluio para a compra de votos para tal – o STF tem tido um papel silente, omisso, ou procedimental que não evitou a quebra da institucionalidade democrática.
Padecemos de uma imensa fratura democrática que não foi evitada pelo Poder Judiciário, sequer questionada, e isso ficará marcado na história do nosso país com consequências, como estamos vendo, devastadoras.
Fonte: Carta Capital

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